REVIEW: Resgate – No Seu Quintal

“No Seu Quintal” é um rápido e agradável passeio pela década de 60.

Resgate – No Seu Quintal (2017)

Todo álbum lançado pelo Resgate tem uma proposta diferenciada em relação ao último lançado, mas mesmo assim lá no fundo, na primeira “escutada”, você percebe aquele pequeno fio característico na letra, talvez nos timbres ou nas melodias marcantes que tem sustentado a identidade da banda por mais de 30 anos. E para alegria de todos os fãs da banda não foi diferente com o nostálgico e “vintage” No Seu Quintal.

Em contraponto ao elétrico Este Lado Para Cima de 2012, No Seu Quintal tem uma proposta bastante diferente, mais diferente do que a maioria dos fãs está acostumado, principalmente a galera que não vivenciou os lançamentos de Resgate (1997) ou Eu Continuo de Pé (2002). A ideia de fazer um álbum todo direcionado a influências da década de 60 pode ter causado um estranhamento já esperado pelos próprios membros da banda que haviam adiantado que esse seria o trabalho mais fora da curva dos últimos anos. Das duas Gibson Les Paul para uma semi-acústica e um violão folk, a preferência por andamentos mais lentos ao hard rock tradicional de sempre, isso sem falar da capa altamente psicodélica e convidativa ao tema retrô e ao movimento hippie ou, quem sabe, uma referência de leve ao Jesus Movement.

Zé Bruno está cada vez melhor com papel e caneta nas mãos. As letras mais do que nunca apresentam uma espiritualidade madura que busca do lado de dentro aquilo que andam pregando que ainda precisa ser obtido de fora. Naturalmente, o bom humor inerente à banda permanece ali, mas um tanto quanto mais moderado dando lugar à introspecção e a reflexão teológica.

História foi a escolhida para dar boas-vindas ao ouvinte. Violão, muito violão e aquele slide que te manda de volta pro passado em segundos. A letra é peculiar e já apresenta, de modo geral, o que vamos encontrar no restante do álbum. Mantendo a pegada folk-rock entra a faixa Ainda Vou com mais violão. Uma música de curta duração que, se fosse no álbum da minha banda, não estaria logo ali no começo, mas é uma boa faixa.

Jogando tudo pra cima chega a música que dá título ao álbum, No Seu Quintal tem o refrão mais chiclete de todos os tempos, nesse quesito o Resgate é mestre e ensina como faz. Destaque para a referência a “My Sweet Lord” de George Harrison na saída do solo de guitarra. É muita nostalgia e bom gosto ao mesmo tempo, excelente sacada.

Te Explicar é um tratado teológico de 3  minutos a respeito do polêmico debate entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem. Simples, tranquila e agradável, é uma daquelas para ouvir na estrada. Seguindo em frente chegamos a irônica e provocativa Porque Você Não Sai, um verdadeiro convite à liberdade, essa vale a pena compartilhar com os amigos, fazer video lyric e postar na timeline, genial.

Despertar o Sol é uma parceria com o grande Jorge Camargo, dueto inusitado, mas com uma belíssima letra e melodia que acalma o coração. Essa canção se encaixaria facilmente em um álbum novo do Jorge, mas confesso que achei ela um pouco deslocada, a não ser pela referência aos Beatles com uma pequena marcação de “Here Comes The Sun” no finalzinho da música que nos leva de volta aos trilhos hippies.

Banda Resgate

Lágrimas é a música mais pesada e com teor crítico mais explícito do álbum, sem perceber já passamos da metade do circuito quando finalmente chegam as guitarras distorcidas. A levada da música lembrou um pouco a faixa “Sempre Tem Uma Assim” do último trabalho de estúdio deles, é aquela que não pode faltar no show.

O Solitário é de longe minha favorita, é também a música que vem selar a intenção geral do álbum em relação a conteúdo lírico. Essa merece ser citada por inteira.

Mil anjos cantam diante do encanto de um prostrado
Junta-se ao canto todo santo que entende seu mandato
Os desafinados da existência já tem voz

Paz nos meus passos, se apagam os traços do passado
Dono do tempo, todo momento vem sem prazo
Os desajustados da existência já tem paz

E eu sem ter pago
E eu sem ter fardo
Foi necessário na cruz um solitário
E eu me rendo assim sem volta

A despedida é com o modesto cover de Turn Tur Turn da banda The Byrds, letra extraída quase que literalmente do capítulo 3 do livro de Eclesiastes. Não gosto muito do Resgate cantando em inglês mas ficou até bacaninha, é pra fechar com chave de ouro esse passeio na década de 60.

A última faixa é na verdade um complemento da faixa O Solitário. Na Equação é curtíssima e deixa saudade com a consagrada frase “E eu me rendo assim sem volta”.

Apesar do fato de ser um álbum curto em relação a duração das faixas, é mais um grande trabalho da banda Resgate, banda que vem conseguindo ao longo de 30 anos manter uma carreira integra, sólida e muito coerente. Mais uma vez conseguiram surpreender e mostrar inovação sem perder a linha. Pode não ser o melhor álbum da banda, mas sem dúvidas é um grande trabalho com uma belíssima produção que vem para manter o nível de respeito da banda no cenário cristão como no cenário secular. Que venham os shows com as músicas novas!