Guilherme Scardini, um desconhecido e despretensioso rapaz que esporadicamente entrega canções que pedem para serem ouvidas em um fim de tarde de sol em uma varanda.
Venho aqui para apresentar uma das composições que não somente me faz relaxar, mas que me faz refletir sobre algumas verdades que afetam quem sou… A música se chama Eu Vim do Céu, do seu singelo disco Varandeiro. Minha intenção não é apresentar a intenção do compositor, pois sei que o resultado não chegaria a ter a exatidão exigida para tal tarefa, mas pretendo mostrar minha forma de enxerga-la e instigar reflexões, atribuindo à música, assim como às variadas expressões de arte, a capacidade de ressignificação.
Quando ouvi esta música pela primeira vez, precisei de algum tempo, e algumas doses de replay, para organizar o que estava ouvindo com o que estava sentindo. Neste momento de reflexão, me veio a mente uma das minhas passagens bíblicas favoritas, talvez a que mais me impressiona em toda a Bíblia, que é Filipenses 2, do verso 5 ao 11, na qual relata-se a vinda de Jesus ao mundo como um auto esvaziamento de sua glória divina. Este “esvaziar-se” é conhecido na Teologia como Kenosis, que vem do grego kenoo (esvaziar, tornar vazio). Tendo em vista esta doutrina da tradição cristã, que por si só já carrega certo teor paradoxal que discutirá como Jesus pode ter se esvaziado e, ao mesmo tempo, ser o divino Filho de Deus (?), meu desejo não é trazer esta discussão teológica, mas apontar para o paradoxo da Kenosis contido na música: A realeza e a simplicidade do eu lírico.
Observando os trechos seguintes, gostaria de destacar a estrutura composta pela presença de antíteses, que seguem até o fim da canção:
“Eu vim de uma pequena rua
Onde a vida flutua,
Não se apressa o tempo
Passa em seu lugar...
Eu vim da mais bela avenida
Tão cheia de vida,
Não demora o tempo
Vou te apresentar...”
Uma das coisas que mais me tem encantado na caminhada de fé é reconhecer as variadas formas as quais Deus se revela a nós, sendo o amigo, o Senhor, o rei, o pastor, e, embora tudo isso, o único Deus. Poderia até citar certo cantor que me veio à mente, que, assim como eu, gostaria de “entender como um só Deus ao mesmo tempo é três”. Não creio que há contradições no ser, caráter e atributos do Deus que me é revelado nas Escrituras, mas isso não determina o meu total entendimento dos aspectos que lhe são atribuídos ao longo dos textos bíblicos. Não me considero menos cristão ou menos filho de Deus por tal realidade, só me faz acreditar ainda mais que este Ser vai muito além de meu entendimento humano.
Voltando a falar da música, que é o objetivo (perdão!), é incrível pensar no que Jesus fez e em tudo o que isso implicou: Deixar a glória de Sua casa para vir ser o Verbo encarnado, a interpretação material do Deus que Ele é. Não há explicação para tamanho sacrifício que seja este Senhor vir a ser servo. Ao demonstrar a simplicidade de Seu Reino, Cristo nos chama a contemplar sua Kenosis, para que exercitemos tal exemplo de humildade.
Cantemos e contemplemos os paradoxos do nosso Deus, cientes de que o nosso Rei se apresentou ao mundo como o maior servo sofredor.
AM Colab enviado por Davi José.
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