Cada um a seu jeito, Emicida chamou o pastor Henrique Vieira em “Principia”, a dupla Karol e Rander chamou Augustus Nicodemus em “Notícia” e, aqui, Justus et Peccator chama Antônio Carlos Costa em “O que me falta?”. Interessante esse movimento de inserir “pregações” em canções, trechos que agregam à proposta e revestem o som de uma profundidade metafísica pela mensagem do Evangelho. Se bem que em culturas como a judaica e muçulmana, os textos sagrados eram musicalizados para fixação na memória dos fiéis.
No single do Giancarlo e do Israel, um salmo – justo uma poesia cantada – foi escolhido para nos relembrar velhas verdades. Nessa ideia, entender que “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará”, clássico verso bíblico, não é sobre um triunfalismo raso, mas sim, uma dependência profunda do Criador. Cantar o Salmo 23 é confrontar nosso coração carente de tudo, é entender na prática o porquê a graça nos basta. Muito além do canto da boca, é o eco do coração que denuncia o que o tem alimentado. Passar pelo vale da sombra da morte de redes sociais e noticiários doentios, é testar nossa fé. Mas como não temer mal algum em um mundo pandêmico, pobre e em guerra? Como aceitar sua vara e seu cajado se já estamos sofrendo tanto? Recitar o verso com palavras feitas não representa a solidez de um fiel. Dizê-lo é pra quem tem coragem.
A arte do single é um fotograma de abril de 1855, da Guerra da Crimeia. Ela mostra uma estrada coberta de balas de canhão, e foi reconhecida como uma das 100 imagens que mudaram o mundo. O nome da fotografia é Valley of the Shadow of Death, do fotógrafo britânico Roger Fenton. Entendemos que ela representa bem as condições físicas e emocionais a que podemos ser submetidos no dia a dia, e diante das quais persistimos em dizer: “Porque o Senhor é o meu pastor, o que me falta não me faz falta“.
Justus et Peccator
Se a mensagem separa meninos de adultos, a sonoridade da faixa também mostra que nos ombros da Justus há muita bagagem. Do blues ao lo-fi, eles mostram que seus pés já trilharam o caminho de muitos outros, inclusive, fazendo lembro do “blues do mais velho”, feito pelo mestre Gerson. Certamente a escolha do estilo não foi apenas para soar diferente, mas para fazer diferente. Em um mundo gospel de meras repetições, ouvir crentes produzindo canções consistentes é uma forma de resistência. Eleva ainda mais o padrão as alternâncias de vozes da dupla com a Bruna Soares.
No conjunto, os artistas e o pastor se unem como vozes proféticas, vozes que se levantam em meio a adversidade de um mundo em ruínas para nos desafiar a crer que, de fato, o que nos falta não nos faz falta. Ainda bem que temos a certeza que a bondade e a misericórdia dEle nos seguirão todos os dias das nossas vidas e habitaremos na sua casa pra sempre.
Ficha Técnica:
- Giancarlo Marx: composição, voz e guitarras resonator
- Israel Castro: arranjos, bateria, baixo e teclados
- Bruna Soares: voz
- Antônio Carlos Costa: voz
- Arte da capa: Giancarlo Marx
- Produção musical: Israel Castro
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