Um disco curto, mas de uma intensidade absurda. Assim é Edmundo, banda de rock brasileiro.
De Lenine à Crombie
Desde os primeiros minutos do EP, é possível perceber as diversas referências musicais que o projeto traz. Ouvidos familiarizados com a produção nacional, deve reconhecer semelhanças com o mestre Lenine, Crombie (em “Como diz o Outro”), Mombojó, Vanguart/Helio Flanders, Civaia (#saudades), Otto, China e até com algumas faixas do nosso amigo Saulo Porto. Essa carga brasileira é reflexo da construção e afinidade musical do vocalista que, até com o proposital sotaque, deixa claro sua “musicalidade de natureza pernambucana”.
Dann Coutinho, voz do projeto (e também da Cidade No Monte), é um recifense residente no Espírito Santo com uma grande paixão pela música e pela originalidade. Particularmente valorizo muito isso, não apenas por ser amigo e conterrâneo dele, mas por seu intenso desejo de valorizar nossa cultura. Nem sempre precisamos olhar para fora da fronteira para produzir algo. Temos muita criatividade aqui, muita gente boa fazendo sons singulares e isso Coutinho soube aproveitar de forma brilhante.
Fé crítica e ácida contra a condição humana
Além de fazer uma grande mistura de suas referências, ele é um exímio compositor. Nas suas letras traz uma fé madura onde os valores do Reino são inteligentemente diluídos em versos e contextualizados à complexa e dura realidade que vivemos. Isso tudo através de um personagem chamado Edmundo (uma referência a um dos filhos de Adão de C.S. Lewis ), na qual o descreve como:
Edmundo é um personagem que nutre dentro de si desesperança e ressentimento. É alguém que não acha seu lugar, que desconfia de tudo e todos, menos de si mesmo. Ele está em todos os lugares, não só como fruto da sociedade mas também como proponente dela. Ele é vítima e algoz. Ama lamber as feridas que ser vítima lhe proporciona. Foge de admitir ser algoz e mantém os dedos em riste para tirar de si o foco.
Resolve casar consigo mesmo e crê que a redenção do mundo inteiro reside em sua intelectualidade adquirida em fake news que desemboca em seus conselhos “profundos” nas redes sociais.
Ao lado de gente talentosa como o Felipe Alves, baixista da Palavrantiga, Coutinho propõe uma análise crítica da vida e da existência humana como podemos ver nas letras a seguir:
Edmundo: faixa a faixa
Cybermundo é uma introdução, ou melhor, uma contextualização. Em tempos de redes sociais, eis o local perfeito para encenar uma verdade maquiada. O início de Guerrilheiros é muito “Da Rotina”, do Crombie, mas as guitarras tem a assinatura de Lenine. Em sua lírica aborda a covardia no mundo digital:
Na rede, campo de guerrilha
Dos filhos dos fios, a forca, a morte, asfixia
Destilando desamores, horrores,
Sem cores, riscados na lista
Escorre amor por entre os dedos
E a vida se esvai
Teclado, o ódio e o Guerrilheiro
É o preço que não quer pagar
Em A Bomba, a dose de Lenine continua alta, e a crítica também: Pior que a bomba que mata é a intenção do coração do homem.
A faixa 4 é uma das mais sensacionais músicas que já ouvi. Arrebatadora, em Caso de Amor Comigo, o personagem Edmundo encarna o espírito da nossa época e versa sobre a cegueira dos intelectuais que dizem:
Tenho meu salário e um mac
Meu chihuahua e um quadro de um artista underground
Não preciso da sua espiritualidade
Não preciso de ti e tua moralidade
Aqui, a dualidade de cosmovisões se acirra. A superioridade da não necessidade de Deus é ilusoriamente garantida por seu conhecimento: leio livros e vou a festivais. O problema é você que é arcaico demais. Uma lembrança à Memórias de Um Narciso, da Lorena Chaves.
Na reta final do trabalho, temos Do Início ao Fim! mostrando a falência humana. Mesmo em ruínas, a persistência em manter o orgulho e a vaidade:
Desprezo tudo e amo o meu espelho
Sou o pivô das crises existenciais
Praga que come o mundo inteiro
Ansiedade atroz por respostas
Trazendo uma intensidade final, Gole pode ser visto como a derrocada da humanidade ao ver que sua sabedoria a levou ao nada. Mas mesmo assim, o convite divino da redenção se mantem em um céu azul.
A essência nordestina está na emocionante declamação de Edmundo e a Traição. Com batidas modernas, a faixa traz o contraste e o drama do personagem de C.S. Lewis que tão bem representa a condição humana:
Edmundo menino de adão
Embarcou em dois mundos parelhos
Sem notar abraçou sua morte
E tramou sua libertação
Procurou o caminho da volta
Instaurou o caos, confusão
Ao entrar em acordo funesto
Sem amor, conjurou traição
Entregou sem remorso inocentes
O injusto menino furibundo
Pois em risco todo ser vivente
Trouxe guerra entre os dois mundos
Foi traído o menino edmundo
E provou do veneno uma porção
Foi traído o menino edmundo
Sem manjar, só a fria prisão
Ouça Edmundo na íntegra:
Ficha Técnica Edmundo
Compositor e Intérprete – @danncoutinho_
Produtor, Arranjador e Baterista – @henriquepaoli
Baixistas – @felipevieirax e @jacksonpsilva
Guitarras – @felipeduriez
Synths – @thaysa_pizzolato e Henrique Paoli
Engenheiro de Gravação – @ricardoton
Mixagem – Ricardo Ton e Henrique Paoli
Masterização – @xnd144 (@funkypirata)
Participação Especial – @fepas.shot
Ilustração – @priscilagomestatoo
Hoje, Edmundo é: