2012 já está bem distante desde quando ouvimos novidades da Palavrantiga. Depois da grande expectativa (e desafio) do segundo disco, a banda deixou saudade e interrogações com o seu hiato provocado pela saída do vocalista Marcos Almeida. Desse tempo, o frontman partiu em sua trajetória experimental solo nos presenteando com canções icônicas como Sê Valente, Toda Dor É Por Enquanto e Lá de Casa, mas os fãs guardavam aquele sentimento de ver o grupo que revolucionou o música cristã nacional de volta. Eis que o sonho se tornou real, mas não em tão clima de amor como imaginado. Com alguns ruídos e opiniões divididas, o grupo retornou com uma nova formação em maio de 2018 e nos entregou no último dia 20 sua primeira canção dessa nova fase.
Enquanto “Volume 1” e “Esperar é Caminhar” trazem um rock mais alternativo e “Sobre o Mesmo Chão” uma complexidade indefinida com toques de brasilidade, a faixa Toda Vez Que Você Me Vê tem um som mais limpo e sofisticado. Seus primeiros segundos já sinalizam que há um novo frescor no ar e que a banda está revitalizada, mas sem perder a sua identidade original na voz inebriante do Marcos.
Essa polidez me fez lembrar a transição que ocorreu com a Período Letivo na sua evolução para a Cantoverbo. A energia juvenil de Casa que faz querer pular na frente do palco dá lugar a uma faixa para ser apreciada sentado em um teatro. É perceptível uma maturidade musical ainda maior, uma pegada fora do comércio. No entanto, falando em business, a banda entrou no hype 90´s com uma identidade visual totalmente vintage da tipografia à lyric video da canção.
Sobre a lyric video, inevitável não mencionar o uso de dezenas de memes na sua composição como uma estratégia de atrair a atenção do público ou deixar a novidade com um ar mais descontraído (será?). Particularmente não gostei tanto da ideia por achar que destoa da densidade da canção. Acredito que o clipe de Rotina da saudosa Crombie é uma boa referência. Prefiro também a versão lançada para aqueles que adquiriram o ingresso na pré-venda da turnê que começará em maio. Outro aspecto técnico é o fato da lyric ter sido feita para dispositivos móveis assim como o John Mark McMillan fez em Wilderlove. Algo bem bacana já que a maioria das pessoas acessa a plataforma por lá.
Quanto ao conteúdo da canção não há muito o que falar do que dizer que há o selo Marcos Almeida de qualidade. De semelhante forma como “Sobre o Mesmo Chão” nos deixou digerindo por um bom tempo até captarmos a essência de sua mensagem, a faixa nova também exige ouvidos bem sensíveis.
Ponho o meu rosto no espelho
Eu não reconheço a mim mesmo
Fecho os olhos, chego perto de enxergar.
Tento me ver, antes de mirar você.Mas o vício do pensamento
É venda que encobre o tormento
A cegueira toda é tipo
Um jeito tolo de pensar
No vídeo do canal da banda, um comentário feito pelo Thomás Rocha Campos chamou atenção pela citação atribuída ao filósofo alemão Arthur Schopenhauer ao dizer:
“Cada um tem em seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo tipo. […] Portanto, quem tem inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros, e em geral também suas ações e omissões, a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento.” (Aforismos para sabedoria de vida)
De interpretação livre, a canção traz a questão da empatia tendo como referência a relação com o Divino. Cada vez mais rara em nossos dias polarizados, Marcos provoca a reflexão para quem somos e para quem são os outros. A necessidade de autocrítica, a urgência de se colocar no lugar do outro, a percepção que nossas convicções podem nos cegar na relação com o próximo e a necessidade de fechar os olhos para confiar são alguns dos ensejos que a mente produz ao ouvir essa canção.
Enquanto o terceiro álbum não se concretiza, resta seguir absorvendo os ensinamentos de Toda Vez Que Você Me Vê e se preparar para a nostalgia dos clássicos com a turnê que está à porta.